sexta-feira, 27 de julho de 2012

Fragmentos

O homem do chapéu-coco - René Magritte


Costumo ter os sonhos roubados antes de acordar. Há um monstro devorador de sonhos que vive no deserto. Escondo os poucos que recordo numa caixa de fosforo, dentro da segunda gaveta do armário.

Com cuidado, visito-os com a porta fechada e música ambiente.

Alguém disse que os sonhos têm significado. Pois bem, os meus significam cálcio e digestão.



Fragmentos

Mandei recolher minha matilha.
Farejavam um aroma-jasmim perdido.
Àquela estrela cadente sussurrei seu nome;
acordei nu e de memória apagada.

Coloquei o fumo e o álcool de lado.
Não há sonhos sob o céu sem estrelas.
Dos seus lábios restou uma saudade castanha,
perdida entre travesseiros molhados e espuma quente.

[Dos seus lábios não restou o sorriso:
fotografia absoluta da memória entorpecida.]

O mármore castiga o salão vazio - memória.
Desforro o mel original para o triunfo da crisálida.
Rezo aos deuses omissos da solidão
uma prece tímida de desejo e carne.

Rezo desconfortável enquanto olham da esquina.
A oração é absorvida pela fuligem e pelo asfalto.
A comunhão é interrompida pelo sono,
que chega baixinho enquanto te apunhalo pelas costas.


_Fabrício de Queiroz Venâncio