segunda-feira, 29 de abril de 2013

Teologia

Ansiedade - Edvard Munch


De joelhos.




Teologia

Os prédios que engolem gente
vomitam os vapores do amanhã.
De repente, entre vidro e fumaça
cortante, entre odisséias abortadas
e homens perdidos na multidão,
um pássaro canta.

O Sol se apresenta nos selos
de cartas velhas escritas a punho.
Centenas de histórias ficaram
em restos de borracha varrida,
soprada pelo vento de cada esquina
onde todo mundo tem sede - e fome.

Nas fontes, as bolhas do detergente
alimentam crianças ocas.
Nos vidros, a gordura do dia
captura muriçocas e mosquitos da dengue;
incólumes, ameaçam o subúrbio
e sobrevivem aos restos anais.

Incólume, o pássaro ainda canta
à criança do sorriso sem dentes.
Oremos: ainda não colocaram um cadeado
na caixa da esperança,
que se afoga nas gravatas da nação
e na fuligem do concreto.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 14 de abril de 2013

Página em branco

Meio dia - Edward Hopper


As várias histórias de uma paisagem. As várias paisagens que passamos todos os dias.




Página em branco

Seus pais separaram-se quando tinha quinze;
seus amigos casaram-se com belas senhoras
e o cachorro morreu de tosse.
Num belo dia colorido, a vida lhe passa a página.

Conhecemos a morte e levamos a vida desleixada,
amamos demais o amor verdadeiro e sincero.
Fizemos sexo a níveis industriais
e o peito de nossa mãe há muito está seco.

Nossos sonhos se perderam com a idade,
a caridade foi substituída pela gula.
Nunca há tempo de consertar o mundo
e o "eu" é o único pronome que a vida escreve.

Dentro de casa as pinturas lhe censuram,
as flores murcham e o único odor é o do câncer:
de repente você faz parte dos idosos.
Abre o livro dos dias e passa páginas brancas de saudade,

enquanto, em ondulações, escorre a lágrima
e surge a última alvorada cinzenta.

_Fabrício de Queiroz Venâncio