quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O quarto, a febre e a praça

Homem velho em tristeza - Vicent Van Gogh


Passou. E passou rápido.

As lágrimas escorrem devagar pelo rosto machucado.



O quarto, a febre e a praça

Eu não preciso de ninguém.
Este caderno me basta.
Este quarto de paredes tortas
com uma xícara de café vazia.
Este anteparo que sustenta minha cabeça.

Só preciso deste travesseiro
que recolheu o suor dos tempos - não lavo:
aqui repousa o suor das minhas musas.

Eu não preciso de ninguém.
Deixe a pólo branca suja de vinho.
Eu mesmo lavo para afogar em espuma branca
esta lembrança de outrora.

Não preciso nem quando estou ardendo em febre
em meio a pílulas brancas.
Nem quando estou a beira do abismo
com uma foice a marcar a minha garganta.

Eu não preciso de ninguém.
Só deste silêncio
varado por um ventilador empoeirado.

Só deste silêncio.
E desta pulsação na garganta
que encoraja o suicídio:
vou cortá-la.

E quando me sinto só, raras vezes,
vou ao parque e brinco de gangorra.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

sábado, 26 de novembro de 2011

Embriaguez

Suzanne Valadon - Toulouse-Lautrec


Ela tinha vermelho no cabelo e minha cor favorita era o violeta. Racionalizei a situação recordando que o vermelho e o violeta são os extremos do espectro visível. Pude amar.

Como o vermelho e o violeta, opostos, nunca nos encontrávamos. O vermelho e o violeta não se misturam: não podia sequer idealizar esse amor. Essas cores têm diferentes sintonias: não tinha o luxo de saber como seria se alguma coisa fosse. Entre o extremo e o paralelo repousava um sentimento que não entendia. Minha razão balançava.

Pergunta feita e não respondida, resolvi afogá-la num tsunami de vodca e acordei com um fio vermelho sobre o peito.



Embriaguez

O gole de hoje é em sua homenagem.
O brinde de ontem, um drink,
tornou-se o copo vazio sobre a mesa
e o teu nome está escrito na garrafa.

É passada a vodca e ainda bebo.
O frio do vidro machuca a boca:
cansada, substitui o beijo tardio.

As bexigas coloridas murcharam
no silêncio sem ar de uma espera.
Salgado ficou o álcool pelos
olhos pesados da insônia.

Meu corpo é assim, véspera permanente:
sozinho, responde aos teus delírios
e aguarda uma carícia tola de embriaguez.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 13 de novembro de 2011

Liberdade

Na Luxúria, preste atenção - Jan Steen


Sentado por duas horas em uma praça, tomando sorvete e olhando crianças correndo de Kart, conheci a história da vida de três pessoas.

Um pouco mais tarde assisti "Leaves of Grass" e alguns versos de Whitman ficaram em minha cabeça.

Não sei ao certo de onde veio a inspiração. Cuspi esse poema.



Liberdade

"Que pode haver de maior ou menor que um toque?"
(Walt Whitman)


Rompi minha casca de cetim,
a membrana foi embora
na ponta de uma agulha,
rasgou-se em filamentos ímpares
e me vestiu em véu.

Estou livre de uma pele embrutecida,
uma casca morta, uma casca fina.
Peleja que afibrantava o corpo tatuado
tornou-se véu: vou vesti-la e
seduzir com lavagem as minhas porcas.

Vou vesti-la e correr nu pelo campo
com minha seringa em punho,
espalhando meu aroma de resto
e perfurando estas cascas ancestrais.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 30 de outubro de 2011

Tatuagem

Taberna no Jardim - Jan Steen


A décima edição da Bienal do Livro de Salvador já está deixando coisas boas. Uma destas foi a presença de Ricardo Thadeu na Praça do Cordel e da Poesia. Muitos dos seus curtos poemas são como um "tapa", rápido e sem estigmas.

Nunca havia escrito algo com esse estilo, o que me ocorreu depois da apresentação do Ricardo e do Georgio na Praça. Por isso dediquei esse poema a ele.



Tatuagem

para Ricardo
Thadeu


Este poema é tinta de espirro
varada a foice:
chegou, tatuou e foi-se embora.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mordaça

(sem título) - Jack Vettriano


Ao que vai muito além do abraço.



Mordaça

                                VA

Esta carne morena é feito vidro fumê,
abre a porta pra mim, pois não te vejo.

A vontade de dançar já foi embora,
as minhas horas de baile são em seu corpo.

O suor vaticina nossa proximidade,
prontos ao indecente, gargalhamos fantasias.

Aurora presencia a tudo encantada,
esta é a altura do meu grito de desejo.

Chega junto e então me cala:
a tua pele, amor, é a minha mordaça.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Hoje

Só a solidão é solitária e feminina - João Luiz Costa


Eu me agigantei em vermelho para lhe ver diminuído em violeta.



Hoje

Hoje quero você para a janta;
ossos finos, boca carnuda,
me desnuda só com o olhar.

Sua passagem é sinônimo de rosas
espalhadas sobre corpo macio.
Teus seios, a mostra,
tua virgindade pronta a me inundar.

Hoje espero que não termine;
queixo fino, pernas finas,
me espremem ao comichão.

A lembrança de corpo com corpo
em abraço que imita sexo.
A passagem perfumada,
o silêncio da compreensão.

Hoje não lhe tenho;
fala macia, seios fartos,
hipnose suculenta ainda ausente.

Não há gritaria que me desvie
da clareza de teu silêncio.
Teu sorriso de canto, de leito,
essa distração indecente.

Logo hoje, que amanheci saudade,
você ainda não veio.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lição ao meio dia

Madame Recavier de David - René Magritte


A epígrafe também poderia ser um verso de Eliot: "o tempo que cria é o tempo que destrói".



Lição ao meio dia

"For the times they are a-changin'"
(Bob Dylan)


Filho, não chore.
Essas feridas não saram,
essa dor que sentes
não amansará com lágrimas.

Veja, o mundo já mudou;
o que antes era pilhéria,
hoje se ostenta com orgulho.
Banalizaram nossas lutas,

ainda desdenham de nossas histórias,
perenizam nosso orgulho - vã esperança.
Mas é nosso o sangue que está no muro
e o suor que floresce os campos.

Veja filho, como a música mudou.
Esses carros e esse tanto de fumaça,
esse povo enlouquecido margeando calçadas:
fuligem solitária sem rumo.

Hoje a palavra serve para nos ferir,
a caixa mágica é um engano;
todas estas cores vêm de um demônio
espreitando consumidores para o bote.

Filho, já não sorria:
a gargalhada pertence a poucos
e dos outros não espere muito:
costuraram suas bocas,

jogaram fora a navalha.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Sangue Novo

Capa do livro "Sangue Novo"


Meus queridos e queridas que por aqui passam. Depois de pouco mais de 2 anos de blog, pela primeira vez venho quebrar a rotina deste, porque também faz parte.

Recentemente fui honrado com o convite do poeta Jose Inácio Vieira de Melo para compor uma antologia poética, a figura acima trata-se da capa do livro.

Sangue Novo, da Escrituras Editora, conta a participação de 21 poetas nascidos após a década de 80 e com menos de dois livros publicados. Os poetas escolhidos são excelentes e boa parte tem blog, que pode ser encontrado entre os meus favoritos na barra ao lado.

Quem estiver interessado em adquirir o livro pode entrar em contato comigo pelo e-mail:

fabricioqv@yahoo.com.br

O valor é de R$ 25,00 + frete


Segue mais algumas informações sobre Sangue Novo:

Nesta coletânea, foram selecionados 21 poetas nascidos a partir de 1980, baianos ou radicados na Bahia. Dez residem em Salvador: Alexandre Coutinho, André Guerra, Bernardo Almeida, Fabrício de Queiroz Venâncio, Gabriela Lopes, Gibran Sousa, Priscila Fernandes, Saulo Moreira, Vânia Melo e Vanny Andrade. Caio Rudá Oliveira, Georgio Rios e Ricardo Thadeu são de Riachão do Jacuípe. Clarissa Macedo e Lidiane Nunes residem em Feira de Santana. Edson Oliveira e Érica Azevedo moram em Santo Estevão. Gildeone dos Santos Oliveira é de Retirolândia. Janara Soares é de Barreiras. Vitor Nascimento Sá é de Maracás. Daniel Farias reside na cidade de São Paulo.

A coletânea conta com a apresentação do escritor e ensaísta Mayrant Gallo, que afirma “Cada poeta se aferra ao seu método de criação e à sua técnica, baseados ambos em suas escolhas pessoais, mas, em geral, o objetivo é o mesmo: acender uma luz no nevoeiro e ascender da obscuridade para a vitrine das relações com o mundo”.

Nas palavras de José Inácio “Sangue Novo muito tem do sangue poético que ora circula pela Bahia e pelos brasis, assim como do velho e bom sangue dos mestres do século XX, que deixaram uma obra que quanto mais o tempo passa, mais se pereniza”. A maior parte destes jovens poetas não tem livro publicado, divulgam seus versos em blogs. São poetas cheios de potencialidades, interessados em se organizar, em promover debates e em mostrar suas produções.

José Inácio Vieira de Melo é poeta, jornalista e produtor cultural. Tem cinco livros de poemas publicados, sendo Roseiral (Escrituras Editora, 2010) o mais recente. Já organizou outras importantes antologias, como é o caso de Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (Aboio Livre Edições, 2004) e a agenda Retratos Poéticos do Brasil 2010 (Escrituras Editora, 2009). Coordenador e curador de vários eventos literários, como o Porto da Poesia, na VII Bienal do Livro da Bahia (2005) e a Praça de Cordel e Poesia, na 9ª Bienal do Livro da Bahia (2009).

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Prematuro

Eclipse e Osmose Vegetal - Salvador Dalí



Prematuro

Fiz meu epitáfio aos oito anos,
quando então não tinha dentes
e mascava feito velho.

Pés escondidos sob a lama,
molhada pela chuva fina
que molhava a terra suja.

Gengivas encardidas: não havia sorriso;
costelas à mostra: não havia comida.

As mãos de parentes novos
cavaram a tumba;
meus pais estavam ausentes.

Ausente também estava o caixão:
cova rasa, não havia flores,
só último escarro como despedida.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 23 de maio de 2011

23 de Maio

O navio dos tolos - Dino Valls


Ainda nem amanheceu e já tem poeira no asfalto, feito velas de aniversário.



23 de Maio

Não sou parte do ciclo
de terras ermas, salgadas.
Vim do gosto do vazio - fumaça,
pura cria do conflito.

Vejo em partes cada dado,
liso em cada face, desenho
da esguia abstração - não ordeno,
apenas lanço cada fato.

Terra do mau ver, de bobinas
corroídas pelo pó do tempo:
resta o medo em cada esquina.

Não posso secar o corpo, em transpiros
salinos para a guerra,
agourentos como o respiro.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Enquanto não chega o dia

As rosas de Agentuil - Claude Monet


Enquanto não chega, espero. Tomando o devido cuidado pra que essa espera não me transforme numa estátua de sal.



Enquanto não chega o dia

                                             Para CS

Guardei o seu retrato na estante
para sempre acordar com seu sorriso.
Na varanda, o balanço ainda balança
e o rádio ainda é música de sua partida.

Sua boca desenhou a minha
de um batom vermelho que não lavei.
Em sonho, te levei ao precipício
só para mostrar a altura do meu desejo.

No lençol alguns cachos ainda descansam:
não mexo - o tempo de ontem
é como o tempo de agora.

No silêncio, quando pisco, não é escuro:
é sorriso - carregado por brisa matutina
que passa e me dá bom dia.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

terça-feira, 15 de março de 2011

Sede

Uma garota arrumando o vaso de flores - Theodule Ribot



Sede

para Adriana, mesmo que ela não goste

I

Desculpe os sentimentos de papel,
os estranhos momentos de reflexão;
os pensamentos que tive que conter,
(os que tanto tive que maturar);
o que de irrelevante tomo como importante.

Gosto de conversar no escuro
(tendo como música a respiração).
Gosto dos breves olhares trocados
(rápidos, desconfiados e luminosos).
Gosto até quando diz "não gosto".

Há momentos em que prefiro o silêncio,
(te deixando ouvir o som dos meus beijos
em passeio pelo mar).
Prefiro o silêncio e os corpos colados
(o odor no ar de corpos suados).

Prendo-me nas confusões,
(nas palavras que pertenciam ao espelho,
nos abafos constrangidos),
E na mudez que precede o tato:
em teus abraços está o meu alívio.


II

Um dia teremos sede.

E quando tudo já não for o bastante
(desmanchados serão os retratos
esquecidas serão as palavras).
Ficarão na memória alguns sorvos e tragos:
eu café, você cigarro.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Asilo

A Condição Humana - René Magritte


"Os jovens não sabem o quanto podem e os velhos não podem o quanto sabem." (Saramago)



Asilo

Na estante, a camisa desbotada;
armários, madeira, mofo:
a alergia já tomou conta.

Não se sabe o turno do tempo,
derradeira visita é lembrança falha
no derreter das horas.

A cadeira balança preguiçosa;
corpo, odor, sujeira:
não houve banho esta manhã.

Uma lágrima corre atrevida,
e a criança tropeça nos pés moles
que incomodam a passagem.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quebra-Cabeça

Os Amantes - René Magritte


"A verdade é que a gente nunca deixa de amar" (Max da Fonseca)

Para melhor se alinhar ao poema, sugiro aqui a leitura do poema que o Max dedicou a mim.



Quebra-Cabeça
A Max da Fonseca


"Só depois é que amamos
a quem tanto amávamos"
(Ruy Espinheira Filho)

O nervosismo procede ao toque:
pode ser você ao telefone.

No sono o travesseiro não amacia,
nossos lugares já não consigo freqüentar.

Todo despertar se faz em pesadelo:
não sonhei com você.

Nenhum sorriso me causa riso,
sua voz ainda ecoa o som longe.

Quando me distraio num instante,
É o seu nome que aparece em meus cadernos.

Parei no tempo:
Nenhuma manhã pode ser um novo dia.

Quebra-cabeça incompleto,
a espera descansa em meu corpo:
fracasso em lhe esquecer.


_Fabrício de Queiroz Venâncio