terça-feira, 24 de março de 2009

Sujo

Satã Observa o Amor de Adão e Eva - Willian Blake


Antes de começar, tenho que fazer notar minha tristeza pelo ocorrido no Sábado 21, o incêndio no Instituto de Química da UFBA, onde muito material e pesquisa foram perdidos mas, felizmente, nenhuma vida.

...

Estranho como as coisas acontecem e parece que não aproveitamos.

Costumo dizer que não somos nada além de "lembranças e vontades" (frase adaptada de um poema de Rafiki). Sinto-me estranho quando lamento mais pelo que lembro do que quando estou vivendo aquele momento, ou me alegro demais por algo que depois já não vale a pena. Não sei se a solução está em "aproveitar o momento".

Somos corruptos ou passíveis de, ou melhor, somos passíveis de tudo, grande livre arbítrio. Contudo, somos profissionais "em pôr a culpa" e esquecemos que somos carne e defeito, lembrança e vontade.

O mundo não tem culpa de nossa passividade, ele se aproveita dela.



Sujo

Mas eu só preciso de um pouco de barro
e um garimpo.
Minha boca já estava cansada das vaginas,
meu pênis arranhado pelas vaginas.

Então, fiz um homem e lhe dei uma mulher.
Ao homem chamei Adão e a mulher Eva,
dei-lhes um jardim para comer
e, de pau e boca cansados, fui assistir a criação.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 16 de março de 2009

Paisagem

Campo de Trigo com Corvos - Vicent Van Gogh


Esse é outro poema que escrevi junto com Max. Particularmente acredito que esse é o melhor dos que foram frutos de uma parceria.

Fala sobre o que se abandona, sobre o que é seco e desolado.



Paisagem
"Somente a ovelha negra fica impune / Enquanto o bom pastor toca a sua flauta" (Luís Antonio Cajazeira Ramos)

Há um cacto morto na linha do horizonte
Esta terra, de não sei onde, já não é verde.
Estes rios secos sem inverno nem utilidade
Fornecem a imagem tal qual a de um deserto.

Andarilho dos sonhos partidos, cansados
Caminha em busca de sua musa Felicidade.
Com todas as suas verdades negadas
Segue fantasma, segue enfermo, coitado.

Água: só a lembrança do poço vazio
Sombra: só a das rachaduras
Vida: só a do aroma da semente murcha
Alegria: não aqui, junto ao estio.

No caminho acha um pasto, bonito pasto
Onde sós ovelhas negras residem o sonho pastoril.


_Fabrício de Queiroz Venâncio & Max da Fonseca

quinta-feira, 5 de março de 2009

O Mandamento do Prazer

Na Luxúria, Preste Atenção - Jan Steen


Texto antigo mas com referências fortes... Acho que ainda vale a pena pelo questionamento comum a quem observa a imagem e lê o poema: "até onde podemos nos intregar a nós mesmos?"



O Mandamento do Prazer

A respiração arfante é a evidência,
o medo fará a sua história.
Procuro rosas de olhos fechados
manejo fatos a deriva
do meu prazer.

Por que diria não à sensação?
(ao apego material)
Se do meu corpo faço flatulências
e tenho o púrpura como símbolo.
Por que diria não à voz provocante?
Se do seio arfante, ao sexo ateu
fazem parte o meu prazer.

Juntemo-nos na jogatina,
no vício ilimitado
ou na galhardia dos gritos roucos.
Vamos dançar em volta do mundo
(sons desconexos que não se podem compreender)
andar descalço, nos deixar contaminar.

Vamos cair de joelhos perante a luxúria,
adorar a imagem da decadência,
seguir com a nossa linhagem
(de forma vil, precipitada)
para em um grito, na garganta cortada
de corpo, em alma;
tornar sublime a arte do prazer.

Vamos preencher as lacunas do ócio,
construir a confraternização do pecado e da agonia,
escrever o código da imoralidade;
negar o céu, cuspir ao inferno,
e com aquele sobre este triunfar.

Percebam a hora do coração acelerado
(o perfeito momento do vislumbre).
O sábio que é sábio se entrega,
faz do prazer uma eterna donzela:
que desabrocha por todos os dias,
que faz vencer por todas as horas.

Salve o intuito do Prazer,
diz o Mandamento.


_Fabrício de Queiroz Venâncio