sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Casa dos Mortos

Dostoiévski - Vassilj Grigorovic Perov

Quantas vezes tentamos ficar só e notamos não ser possível? Quando isso se repete, sentimos uma desagradável sensação de sufoco e imploramos para que a Senhora Solidão tenha um pouco de piedade.

As vezes fazemos uma leitura e despertamos para algo que intrinsecamente já nos pertencia. Agora lembro de uma frase do Richard Bach, em Ilusões: “aprender é somente lembrar do que já sabíamos”.


Mas não é a Richard Bach que vai esse texto, mas a Fiódor Dostoievski e ao seu livro Recordações da Casa dos Mortos, onde ele narra sua experiência como preso político numa prisão na Sibéria.

A um monstro da literatura universal que permanece.



A Casa dos Mortos
"... o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho."
Dostoiévski


É simples o vôo da pena
Cujo peso não pede influência
Em que torta e leve
Consegue pousar macia
Como lira a cantar.

O peso é o crime
O pouso a penitência
que se deve pagar
Ao inverno cortante
Onde companheira se faz de cela
De cobertor se faz o corpo.

Pela manhã ouçam o canto
cantiga forçada de trabalho;
Pela noite me venham copeques
de serviço extra e mão em calejo.

O copeque se faz em vodca
A espera do dia a se embriagar
gozo, apronto
Faz-se do crime o verso
Da bebida o justo da pena.

Vem-se novo dia
(novos meses de serviço)
Só se resta esperar
Um novo dia de vodca
Um novo dia ao desperdício.
Aguardar as desculpas da solidão.

Pois que sou a pena e o vôo
Tenho o nome de liberdade
E comigo sempre estará
Quem direito tem a ser solitário.

O detento não deita em meu colo
Pois quando fica só?
Aprenda a ser fiador
Trabalhe com a vela e o sapato
(refugie-se na embriaguez)
E faça de mim a luz no final do corredor.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Gangorra

Eu e a aldeia - Marc Chagall


Depois dos sinceros desejos de bem estar e esperança, um pouco da retórica da contradição.



Gangorra

Não me preocupo com quem ocupa os lados,
balanço e caio conforme critérios
físicos conceituados.
Posso ter medidas de velocidade,
Centro de massa a calcular,
momentos de inércia, rotação.
Brincar com duas crianças:
ser estática.

Posso arrancar sorrisos dos corações maternos,
empalar o verbo ou lhe fazer um ânus.
Conduzo ao prazer do vento no rosto,
sou frio e desgostoso - andrógeno:
sou calada e taciturna,
sarcástico e mau-humorado,
Sou humano, objeto inanimado.

Senta no meu colo, criança:
escolhe, tenho dois pra ti.
Sou o pedófilo de uma nação,
sou religião e ceticismo;
mordo a bunda do meu povo,
mastigo e cuspo os seus colhões.

Sou fiel até o parto,
até segundos antes do choro;
e quando parto já não sou útil
e quando fútil sou inconsciência
e quando vivo, sobrevivo.
Enquanto sou pênis, coração;
enquanto livre, reflexo.

Cedi minhas barras ao Oxigênio,
minha madeira aos cupins;
agora, são todos os sorrisos amarelos.
O bebê é de metal, o garoto,
ao qual eu insistia em aparecer,
é magricela e tem fome.
Já não levanto e me desfaço:
apodreci.

Procuro meu espírito pelos cantos,
já esqueci a minha canção:
bela na boca das crianças,
eterna nos olhos da velhice.
Agora sou solidão embalsamada,
testículo infértil e murcho,
já não sou verde ou maduro:
apodreci, e comigo veio o mundo.


_Fabrício de Queiroz Venâncio