quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Manhã

A Tempestade - Giorgione


Pensei que a última postagem do ano deveria ser majestosa, causasse impressões nos leitores e que uma das primeiras coisas que eles deveriam fazer em 2009 seria fazer uma releitura deste poema.

Desisti.

Vou colocar um poema de impressões utópicas para a maioria, no qual somente os românticos leitores de poesia conseguem apreciar e sentir uma alimentação saudável dentro de si. Quero dizer que existe o leitor que sempre imprime racionalidade em sua leitura e o que lê com o coração. O segundo é aquele que consegue sentir o que um poema tenta passar, que chora quando o escritor "diz" chore. Não quero criticar o leitor racional, defendo que uma pessoa deve ter as duas formas em si. Eu, como estudante de ciências e que mantenho um blog de poesias, tenho que ter os dois olhares.

Cruzes! Acabei enveredando por caminhos psicológicos demais, servindo-me de uma "psicologia empírica" (sei que meu amigo Darlan vai ri quando lê essa parte).

Pois bem! Que 2009 seja melhor do que já foi 2008 para todos. Que as "canções continuem belas e falando de amor".

Sem mais.



Manhã

Um dia houve Sol e beleza,
acreditávamos demais numa luta,
sonhávamos com o mundo,
as pessoas não eram falsas
e seus sorrisos não nos faziam chorar.

Não havia o terminal lotado
nem imundície nas calçadas.
Não havia o maltrapilho,
ou gente que se mistura a esterco,
nem esse excesso de solidão.

Que rezemos pelo Sol da manhã:
já longo o lençol noturno
e fria a apatia de tua espera.
Rezemos, mesmo que não saibamos oração
ou a quem dedicar as nossas preces.

Esperemos o fim do olhar indiferente,
a recompensa das nossas oferendas,
que sorrisos sejam simplesmente sorrisos,
que toda canção seja longa
e fale sempre de amor.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 14 de dezembro de 2008

Sobre dúvidas e abandonos

A Fonte - Jean Auguste Dominique Ingres


Quem pode fazer versos? Acho que qualquer pessoa com disposição para arriscar ou qualquer uma que somente sinta-se bem em conversar com si. Troque o si por uma folha de papel e veja no que dá. Acredito que o mais importante em qualquer poema é motivar sentimentos, cutucá-los para que eles respondam: "olha, eu existo".

Mas o conflito é inerente, principalmente depois de leituras e leituras. Mas defendo que nada deve fazer com que nos livremos do bom companheiro que é o papel. Podemos parar de escrever, perder nossa fonte de inspiração; mas um apreciador da poesia jamais perderá a sensibilidade que lhe é inerente.

Lucas Matos é meu amigo e um poeta. Espero que esta imagem não o ofenda: sei que vai entender. Por sinal, recomendo a leitura do seu blog, já que me considero pequeno perto do poder dos seus versos.



Sobre dúvidas e abandonos

Amigo, deixei as letras
os papéis e as canetas.
Deixei as idéias na cabeça
os versos soltos
e os sentimentos aqui dentro.
O que farei agora?

Amigo, não confie nas palavras
nem no silêncio destas garras.
Recupera as tuas armas
e leva um cesto de captura contigo,
pois solto não deve ficar um contento.
Mas repito: não confia.

Amigo, estou velho demais
passou-me o tempo de poeta,
já atingi as minhas metas.
Aquieta, já basta,
não escreverei jamais.
Obrigado, deixa-me morrer agora.

Amigo, lembra que as idéias não têm idade,
que as metas duram tanto quanto a vida;
mas parece que persiste na canção maldita.
Você vegeta, nada cria,
já não me resta piedade.
Mas insisto: não confia.

Mas abandonei as rimas
os sonetos, as estrofes:
não tenho mais inspiração.
Levaram-me tudo, inclusive o perfume
e o ciúme e a paixão...
Que farei então?

Mas lembra-te que a poesia é um trabalho,
lembra do teu suor
e de como, salgado, ainda tecia.
Pensa que nunca precisou de fragrâncias
e ainda assim, poeta, existia...
Mas persisto: não confia.


_Lucas Matos & Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Versos Sujos

Chuva, vapor e velocidade - Willian Turner


Esse poema carrega uma revolta preguiçosa. Aquela que nos faz ter o mais crítico olhar e as mais atrofiadas mãos.

Um abraço.



Versos sujos


Eu sou verso cabisbaixo

a tortura dos amantes,

sou feio, aloprado e sem sentido.

Torto, miserável,

mendigo.


Sou as estrofes perdidas em latrina,

o mudo de boa língua

e boca costurada.

Mas não escute nenhum dos meus gritos,

vagabundo.


Estou entre os dejetos,

faço parte da urina dos homens,

tenho odores desagradáveis.

Só penso pensamentos malogrados,

maldito.


Estou entre as páginas sujas,

no jornal que publica a fome

e no papel que limpa a bunda.

Estou no lixo, na mão do ladrão,

desperdício.



_Fabrício de Queiroz Venâncio




segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Destinos de areia (clichês da Razão)

Dança das Ninfas - Camille Corot


Ponto de vista. Pensando agora, enquanto escrevo, acredito que essa seria a expressão mais importante do mundo. Com ele sendo respeitado, não teríamos preconceitos, embates científicos que fossem infrutíferos, brigas a toa por falta de respeito.

"O seu direito termina quando o do outro começa". Uma clássica frase da convivência nos ensina muito a respeito do egoísmo. Para que serve a consciência senão para medir o nosso egoísmo? Somos podres e corrompemos tudo com o que temos contato. Elementos classicamente neutros e ideais, como a ciência e a burocracia, são deturpados e eu, como estudante de uma ciência, sou forçado a ouvir a ignorância dizer a culpa é do que eu estudo.

Nosso mundo é uma grande ferramenta e estamos usando-a para alfiner-mos e alfineta-lo.

Abraços a quem passa por aqui. Peço desculpas por esse texto.



Destinos de areia (clichês da Razão)


Havia poeira entre os meus dedos.

Era uma tarde noite de Abril,

junto aos pêsames duma memória de areia.


Primeiro, como em toda história,

refiz os fatos, montei os sintomas

(duma doença).

Pensei em como começar a narrativa

desse vítreo dia algoz.

Mas a quem dói as palavras,

senão ao narrador afoito,

que espalha sua vísceras,

desdenha dos seus medos,

somente para satisfazer este vil Ser,

que é o leitor curioso.


Segundo, após o cálculo das probabilidades,

das ondas de densidade

(horror).

Procuro um perfume de canto,

Algum aroma perdido pela cidade.

Tanto lucubro, apago, refaço,

que a insensatez se afasta,

mediante a idéia do princípio:

"Era uma vez".


Terceiro, enfim um triângulo.

Se me perguntassem, responderia

(com vazia sinceridade):

todo aflito esquece das mãos,

acabando por não terminar ao que,

com tanta servidão,

lhe serviu.

Até gostaria que fosse escaleno,

não eqüilátero.

E páginas púrpuras,

linhas iguais.


Quarto, porque não gosto de clichês,

contra a mesmice das trilogias

(Horizonte).

Este é o ponto onde a mente abre,

as lascas de pedra fazem o azevinho

e reconto uma história, apago a antiga.

Mesmo na certeza de que em breve,

cabisbaixo, choramingando,

caminharei de outra forma;

destruirei este então novo caminho.


Quinto, o Pentateuco Sagrado,

ou as cinco pontas de um Pentagrama

(Símbolo).

O mar a frente e o diabo atrás,

os ponteiros do relógio derretendo,

tentando lidar com uma idéia;

pois sendo o leitor meu capataz,

meu ouvinte ilustre,

contar-lhe-ei a sua história

em dois simples versos.


Todo fim é o propósito da morte,

como o início advém do desejo.



_Fabrício de Queiroz Venâncio



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Matilha

Os Mortos - Orozco


Achando que somos muita coisa perdemos o compasso do que poderíamos ser, choramos numa latrina até a água descer. Tanto muito estranho esta hierarquia toda, estas coisas que prevemos que poderiam ser melhores... Mas, como chorar pelo que não aconteceu? Poderia realmente ser melhor?

Saímos da sociedade da informação para a sociedade da escolha: não é melhor o mais bem informado, pois informação pode ser encontrada. É melhor o que sabe selecionar o que encontra, sabe ser filtro. Mas os filtros são fabricados e há muito existe um problema proposital (veja, causado) em nossas máquinas.

O universo parece ser medíocre perto de alguns egos e é medíocre perto do que podemos ser, mas nunca somos. E, pensamos que somos quando na verdade só fazemos nos submeter. Não vamos pedir ao homem que tenha idéias, é pedir demais. Somente uma opinião espontânea seria digna de vigorosos aplausos e aclamações de "milagre".

Não vamos exigir demais dos homens.



Matilha


O cão cai sempre na esperteza.

no deslize das patas raspadas,

com aquelas unhas pontudas,

os petizes algozes,

ou arengas desmedidas.

Rói as unhas dos companheiros,

cheira o rabo da bicharada.


Mas é o cão companheiro,

felino intermediário,

(pois digo sim)

se não tem a astúcia do pequeno guerreiro,

coragem em iniciar o cerco,

como faz, todo gato,

tem a valentia do cargueiro

desmedida honra,

fixa, como substância volátil.


Pois é todo cão maleável.

(e veja, não tenho contradição)

lascivo, gaiato, antipático,

ganhador de troféus tantos,

faz entornos,

senta, levanta, deita

até rola,

por um bom osso.


Assim é o cão,

treinado com biscoitos,

aquietado por carinhos,

mas leva a tapa, quando necessário;

até te olha diferente,

pois toda espécie,

como já mencionado,

carrega um orgulho mercenário.


A disciplina do cão é de todo invejável.

Conhece seus limites,

todos os espinhos dos teus passos,

sabe quando morder,

onde urinar e defecar,

só não sabe quando parar de latir,

o animal alvoroçado.


Pois que todo cão alfabetizado,

tem o poder de chamar a reunião

e, em meio ao ladrar da multidão,

proclamar, mediante platéia afoita,

ser ele, o cão,

animal de insubstituível superstição.



_Fabrício de Queiroz Venâncio


terça-feira, 11 de novembro de 2008

Saudade


Pensamentos Distantes - John William Godward


Todo aquele ser racional que já se viu entregue a um sentimento ao qual não tem o menor controle deve entender o digo. Não importa o quanto se lute, quantas distrações sejam oferecidas para a mente... A noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, as memórias explodem a sua cabeça e o desejo é presente, potente e indestrutível.

Pode haver a cura no nosso cansaço.

Utilizo a frase de Júlio Cortázar para que tudo seja dito em pouco: "... afinal, o que são as lembranças senão o idioma dos sentimentos?"


Saudade


Sei de pétalas que sentiram menos

a ausência duma flor,

Sei de canções que esqueceram

a voz de um bardo,

Sei de cores que não notaram

a falta do artista hábil,

Sei de versos e belas rimas

que não conheceram a um poeta.


Sei de todos os cantos

cada cadafalso,

Sei de histórias e comédias

homens taciturnos,

Sei de mulheres perdidas

prostitutas arregalia,

Sei de estranhos poderes cantados

num verso noturno.


Sei de falhas e rachaduras

que revelam o outro lado,

Sei de atos suspensos e desistência

que machucam o coração,

Sei de tantas e tantos que amaram

mas falharam em explicar,

Sei de mãos que arrancaram sentimentos

parcos, sem correspondência.


Sei de bastardos que choraram menos

a ausência de um pai,

Sei de poentes que ainda foram belos

sem o casal apaixonado,

Sei de amores que floresceram e procriaram

sem a presença do desejo,

Sei de veredas e sentimentos eternos

pulsantes, como a saudade.



_Fabrício de Queiroz Venâncio



terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Canto da Madrugada

A Estrada da Vida - Hieronymus Bosch


Banalizamos tudo e este ato está na moda, virou algo cultural e precisamos disso para que sejamos aceitos.
Hoje em dia nos assustamos mais com um casal de homossexuais se beijando do que com um mendigo a esmolar.
Observa-se, assusta-se e deixa-se as evidências de lado... Afinal, "a vida continua e tenho que ser o primeiro". Quanta história.



O Canto da Madrugada

Seja de short sujo,
Ou camiseta desfiada.
Na gélida canção da noite,
Ou no silêncio da madrugada.

Sobre calçadas obscuras,
De ladrilhos a brilhar.
Seu tesouro é este espaço,
Que se põe a cuidar.

O momento faz arder os ossos,
Que o frio insiste em desfiar.
A fome que repuxa as tripas.
A fome que revira o olhar.

E então vem A Noite.
Vem a medida do pesar.
Lança-se à madrugada,
Uma voz desamparada a cantar.

Atuando na passarela,
Da ilustre avenida.
Na platéia prostitutas,
E pessoas foragidas.

Duas frases em dó,
E mais duas em ré,
Uma rouca voz de fome,
Um seqüelado corpo de pé.

O canto atende ao corpo,
O corpo cala a fala.
E o verso recém formado,
É apagado com uma bala.

E quem ouviu o menino,
Que ganhava o pão nas esquinas molhadas,
Saboreava o gosto amargo do destino,
E chorava o canto da madrugada?

_Fabrício de Queiroz & Max da Fonseca

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

As quatro patas do homem

Les Fleus du mau - Marilyn Manson


O mundo está morrendo e estamos atribuindo a culpa a coisas erradas.
É de todo fácil criticar idéias... Mas, eu pergunto: quantas você já teve?
É muito mais fácil atribuir a culpa ao mundo que a uma imperfeição nossa.



As quatro patas do homem


Triste é o amor que se mostra prova

A consciência que releva o fato.

Dizem que amo o mundo

Rego a terra e enterro sementes,

Queimo a carne e como a raiz.


Dizem ainda que calcino o verde

Esquento o meu humilde aposento

e o torno imundo.

Chamo baixinho o companheiro

Pois que mando se afastar

Jogo-o ao lado do meu monturo

Que fiz de casa

Chamei de lar.


Dizem que sou o homem

Aquele das profecias inteligentes

O diligente do racionalismo

Que de tanto pensar

jogar poeira debaixo do tapete

Já não possui mais a pá

Que em um passado longínquo

Iria lhe libertar.


Chamam-me de Ser, mas sou Destruição

Faço a guerra, mato a vida

E ainda ouso me proclamar Senhor

O Grande racional irascível.


Ah, Homem!

Se teu é o mundo

Tuas também são as feridas

Tua também é a culpa.

Ah, Homem.

Se tu és um aracnídeo da fome

Vais tu, leva-te a raça.


_Fabrício de Queiroz Venâncio



quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Prazer, prazer

O Círculo da Luxúria - Willian Blake

Um pouco de um dos nossos principais combustíveis.



Prazer, prazer

Sou um pouco da brisa e da manhã,
Passeio pelas faces, danço pelos ventos
e não concluo nenhum dos meus dias.

Há quem me sinta efêmero,
(como passos de cordeiro)
Quem me faz mal julgamento;
Mas não há quem viva
(e a verdade seja dita)
Sem o toque dos meus dedos.

Sou um pedaço de toda conquista e toda derrota,
Praguejo campos de trigo, eternizo os de batalha
e não há tempo para a glória dos meus feitos.

Salvo os dias mediante amor
(como mãe protegendo a cria)
Rogo ao espírito a força guia
Eternizo escrituras em deleite
(até me fazem versos)
Despejado em folhas macias.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O poema que não saiu


O Pequeno Príncipe - Saint Exupéry


São versos rápidos e um tanto tristes, com o tempo dá pra se acostumar. Essa imagem é uma homenagem a quem amo e que me indicou a leitura.




O poema que não saiu

Podia ver seu rosto na brecha da porta
tímido, o brilho do seu olhar era um misto
das idéias e dos rabiscos que permeiam os pensamentos.

(arrisquei um sorriso, temperado
quebrei a cabeça, desenhei um coração
fiz-me de palhaço, alcancei uma noite,)
dois dias,

mas a teimosia não acompanha a inspiração.
Pois o ruim não é que lhe neguem os desejos,
ou que sejam vãs esperanças há muito cultivadas,

o ruim é quando não cativa o cativante,
e não lhe vêm mais do que este olhar brilhante
na brecha da porta, fixo em sua consciência.

No fim, o poema não passa de uma esperança
de uma longa espera ao que não vem
uma mentira contada a si mesmo
várias vezes.

Resta o poema que não acaba, o lápis solto
o olhar que não contêm a si, mas carrega o mundo,
a pulsação que precede o choro.

Para um corpo molhado que espera sob a chuva,
o silêncio é um conforto.


_Fabrício de Queiroz Venâncio