segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Spondias tuberosa

Paisagem - Rosalvo Ribeiro



Tudo no Sertão é incólume. As árvores, as vidas e as feridas.



Spondias tuberosa

O umbuzeiro resiste impassível
à passagem do tempo;
alheio às tecnologias,
ao asfalto que observa distante,
aos pósitrons e viagens
interplanetárias.

Desdenha amiúde do doce das horas,
das chaminés enlouquecidas
que imitam a fumaça dos candeeiros,
Não se conecta ao aço das antenas
que transmitem o passageiro,
nem se abala com os bichos
transgênicos ao seu redor.

A mão calejada que lhe recolhe,
imita a rachadura dos chãos
de um sertão que não acaba,
que abafa a poeira das cidades
e pinta o seu horizonte
de senhores recurvados.

A grande árvore sagrada,
incólume às pegadas dos dias,
idolatrada pelos bois e moleques
que se emaranham em seus galhos,
descansa sua longa réstia
aos que se fartam de seus frutos.

(Fabrício de Queiroz)

sábado, 9 de junho de 2018

Poema de junho


Silhueta de mulher - Antonio Guimarães Santos


Alguns delineio são distantes demais até para um espírito ansioso.



Poema de junho

Foi na tua silhueta que encontrei resposta 
para os meus mistérios,
enquanto os teus permanecem insolúveis 
por trás das fotografias raras.

Preto e branco é a única tradução que me cabe
dos pequenos recortes de si,
que se avolumam para enriquecer as curvas 
deste imenso espírito.

Palavra é medida pela página em branco das respostas,
onde qualquer atenção é celebrada como um solstício.
Será que é no silêncio que se ofusca
algum tênue véu de mútua admiração?

(Ou será que não nos cabe questionar o espontâneo?)

É na aleatoriedade que reside a magia dos encontros - queria um,
descansar por horas sobre os teus olhos castanhos 
e me pertencer por instantes a este planeta chamado você.

(Fabrício de Queiroz)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Arqueologia do cotidiano

Sem título - Pawel Kuczynski


Quando desistir é tão forte quanto existir.



Arqueologia do cotidiano

Os braços cansados cruzados sobre o corpo dizem algo sobre o infinito.
Os versos incompletos reclusos em gavetas são uma afirmação tácita da memória.
O exercício de todos os dias da rotina dos passos não tratam do fundamental.
A cadeira vazia empoeirada do quarto espera sentada.

Ninguém disse nada sobre o efeito do tempo na caminhada.
A serenata foi tocada só uma vez, o troféu nunca foi dado.
O corpo molhado aguarda estremecendo sobre a grama,
que aguarda o outono para se render ao infinito.

Na ansiedade dos dias dizer nunca é suficiente.
Ninguém grita mais, agora se escreve.
Tudo deixou de significar tudo,
há uma miríade de absurdos que distribui conceitos.

A falta do bom dia deve significar algo na selvageria das antenas.
A fartura de silêncios diz muito sobre o que deveria ser.
A ausência dos sonhos se manifesta no paulatino silêncio dos amanhãs.
O copo vazio é uma piscina cheia para a solidão.

(Fabrício de Queiroz)