segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Destinos de areia (clichês da Razão)

Dança das Ninfas - Camille Corot


Ponto de vista. Pensando agora, enquanto escrevo, acredito que essa seria a expressão mais importante do mundo. Com ele sendo respeitado, não teríamos preconceitos, embates científicos que fossem infrutíferos, brigas a toa por falta de respeito.

"O seu direito termina quando o do outro começa". Uma clássica frase da convivência nos ensina muito a respeito do egoísmo. Para que serve a consciência senão para medir o nosso egoísmo? Somos podres e corrompemos tudo com o que temos contato. Elementos classicamente neutros e ideais, como a ciência e a burocracia, são deturpados e eu, como estudante de uma ciência, sou forçado a ouvir a ignorância dizer a culpa é do que eu estudo.

Nosso mundo é uma grande ferramenta e estamos usando-a para alfiner-mos e alfineta-lo.

Abraços a quem passa por aqui. Peço desculpas por esse texto.



Destinos de areia (clichês da Razão)


Havia poeira entre os meus dedos.

Era uma tarde noite de Abril,

junto aos pêsames duma memória de areia.


Primeiro, como em toda história,

refiz os fatos, montei os sintomas

(duma doença).

Pensei em como começar a narrativa

desse vítreo dia algoz.

Mas a quem dói as palavras,

senão ao narrador afoito,

que espalha sua vísceras,

desdenha dos seus medos,

somente para satisfazer este vil Ser,

que é o leitor curioso.


Segundo, após o cálculo das probabilidades,

das ondas de densidade

(horror).

Procuro um perfume de canto,

Algum aroma perdido pela cidade.

Tanto lucubro, apago, refaço,

que a insensatez se afasta,

mediante a idéia do princípio:

"Era uma vez".


Terceiro, enfim um triângulo.

Se me perguntassem, responderia

(com vazia sinceridade):

todo aflito esquece das mãos,

acabando por não terminar ao que,

com tanta servidão,

lhe serviu.

Até gostaria que fosse escaleno,

não eqüilátero.

E páginas púrpuras,

linhas iguais.


Quarto, porque não gosto de clichês,

contra a mesmice das trilogias

(Horizonte).

Este é o ponto onde a mente abre,

as lascas de pedra fazem o azevinho

e reconto uma história, apago a antiga.

Mesmo na certeza de que em breve,

cabisbaixo, choramingando,

caminharei de outra forma;

destruirei este então novo caminho.


Quinto, o Pentateuco Sagrado,

ou as cinco pontas de um Pentagrama

(Símbolo).

O mar a frente e o diabo atrás,

os ponteiros do relógio derretendo,

tentando lidar com uma idéia;

pois sendo o leitor meu capataz,

meu ouvinte ilustre,

contar-lhe-ei a sua história

em dois simples versos.


Todo fim é o propósito da morte,

como o início advém do desejo.



_Fabrício de Queiroz Venâncio



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Matilha

Os Mortos - Orozco


Achando que somos muita coisa perdemos o compasso do que poderíamos ser, choramos numa latrina até a água descer. Tanto muito estranho esta hierarquia toda, estas coisas que prevemos que poderiam ser melhores... Mas, como chorar pelo que não aconteceu? Poderia realmente ser melhor?

Saímos da sociedade da informação para a sociedade da escolha: não é melhor o mais bem informado, pois informação pode ser encontrada. É melhor o que sabe selecionar o que encontra, sabe ser filtro. Mas os filtros são fabricados e há muito existe um problema proposital (veja, causado) em nossas máquinas.

O universo parece ser medíocre perto de alguns egos e é medíocre perto do que podemos ser, mas nunca somos. E, pensamos que somos quando na verdade só fazemos nos submeter. Não vamos pedir ao homem que tenha idéias, é pedir demais. Somente uma opinião espontânea seria digna de vigorosos aplausos e aclamações de "milagre".

Não vamos exigir demais dos homens.



Matilha


O cão cai sempre na esperteza.

no deslize das patas raspadas,

com aquelas unhas pontudas,

os petizes algozes,

ou arengas desmedidas.

Rói as unhas dos companheiros,

cheira o rabo da bicharada.


Mas é o cão companheiro,

felino intermediário,

(pois digo sim)

se não tem a astúcia do pequeno guerreiro,

coragem em iniciar o cerco,

como faz, todo gato,

tem a valentia do cargueiro

desmedida honra,

fixa, como substância volátil.


Pois é todo cão maleável.

(e veja, não tenho contradição)

lascivo, gaiato, antipático,

ganhador de troféus tantos,

faz entornos,

senta, levanta, deita

até rola,

por um bom osso.


Assim é o cão,

treinado com biscoitos,

aquietado por carinhos,

mas leva a tapa, quando necessário;

até te olha diferente,

pois toda espécie,

como já mencionado,

carrega um orgulho mercenário.


A disciplina do cão é de todo invejável.

Conhece seus limites,

todos os espinhos dos teus passos,

sabe quando morder,

onde urinar e defecar,

só não sabe quando parar de latir,

o animal alvoroçado.


Pois que todo cão alfabetizado,

tem o poder de chamar a reunião

e, em meio ao ladrar da multidão,

proclamar, mediante platéia afoita,

ser ele, o cão,

animal de insubstituível superstição.



_Fabrício de Queiroz Venâncio


terça-feira, 11 de novembro de 2008

Saudade


Pensamentos Distantes - John William Godward


Todo aquele ser racional que já se viu entregue a um sentimento ao qual não tem o menor controle deve entender o digo. Não importa o quanto se lute, quantas distrações sejam oferecidas para a mente... A noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, as memórias explodem a sua cabeça e o desejo é presente, potente e indestrutível.

Pode haver a cura no nosso cansaço.

Utilizo a frase de Júlio Cortázar para que tudo seja dito em pouco: "... afinal, o que são as lembranças senão o idioma dos sentimentos?"


Saudade


Sei de pétalas que sentiram menos

a ausência duma flor,

Sei de canções que esqueceram

a voz de um bardo,

Sei de cores que não notaram

a falta do artista hábil,

Sei de versos e belas rimas

que não conheceram a um poeta.


Sei de todos os cantos

cada cadafalso,

Sei de histórias e comédias

homens taciturnos,

Sei de mulheres perdidas

prostitutas arregalia,

Sei de estranhos poderes cantados

num verso noturno.


Sei de falhas e rachaduras

que revelam o outro lado,

Sei de atos suspensos e desistência

que machucam o coração,

Sei de tantas e tantos que amaram

mas falharam em explicar,

Sei de mãos que arrancaram sentimentos

parcos, sem correspondência.


Sei de bastardos que choraram menos

a ausência de um pai,

Sei de poentes que ainda foram belos

sem o casal apaixonado,

Sei de amores que floresceram e procriaram

sem a presença do desejo,

Sei de veredas e sentimentos eternos

pulsantes, como a saudade.



_Fabrício de Queiroz Venâncio



terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Canto da Madrugada

A Estrada da Vida - Hieronymus Bosch


Banalizamos tudo e este ato está na moda, virou algo cultural e precisamos disso para que sejamos aceitos.
Hoje em dia nos assustamos mais com um casal de homossexuais se beijando do que com um mendigo a esmolar.
Observa-se, assusta-se e deixa-se as evidências de lado... Afinal, "a vida continua e tenho que ser o primeiro". Quanta história.



O Canto da Madrugada

Seja de short sujo,
Ou camiseta desfiada.
Na gélida canção da noite,
Ou no silêncio da madrugada.

Sobre calçadas obscuras,
De ladrilhos a brilhar.
Seu tesouro é este espaço,
Que se põe a cuidar.

O momento faz arder os ossos,
Que o frio insiste em desfiar.
A fome que repuxa as tripas.
A fome que revira o olhar.

E então vem A Noite.
Vem a medida do pesar.
Lança-se à madrugada,
Uma voz desamparada a cantar.

Atuando na passarela,
Da ilustre avenida.
Na platéia prostitutas,
E pessoas foragidas.

Duas frases em dó,
E mais duas em ré,
Uma rouca voz de fome,
Um seqüelado corpo de pé.

O canto atende ao corpo,
O corpo cala a fala.
E o verso recém formado,
É apagado com uma bala.

E quem ouviu o menino,
Que ganhava o pão nas esquinas molhadas,
Saboreava o gosto amargo do destino,
E chorava o canto da madrugada?

_Fabrício de Queiroz & Max da Fonseca