quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Descobertas

Despedida


Que engraçado tudo isso.



Descobertas

                            AS

Ao telefone eu me perdi
em seu sotaque "da peste".

Recordei seu hálito numa
madrugada de laranjeira,

seu hálito escondido
entre os copos de cachaça;

e me perdi na memória
do seu vestido violeta,

casamento perfeito com
o sorriso que nunca se apaga.

De nossas recentes descobertas
eu lhe fiz esse poema,

assinei com seu nome e lhe
servi em caracóis ensolarados.

De nossas recentes descobertas
me nascia um novo Dezembro,

e uma nova paixão regada
de pequenos detalhes.

_Fabrício de Queiroz

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Tentação

Desnudo Reclinado - Rosalvo Ribeiro


Estou tão acostumado com a minha excêntrica sinceridade, que me apaixono quando encontro compreensão.



Tentação

                                      JB

A bruma cinza do tempo assiste;
ainda que calada,
a página foi corrida
e da trajetória se fez
sinônimo, mostrou-se vida
e floresceu em seios morenos.

A paciência que era dita
acabou, inundou a minha pele
de culpa e te amei
no proibido das paredes.

No teu colo tive sonhos, embates
de um passado que não volta;
lutamos juntos todo Outubro
e nosso verso será na história
revolução, amor e sexo;
respectivamente.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 29 de setembro de 2013

Saudação

Jeanne Hébuterne - Amadeo Modigliani


Saudei seu corpo em algumas ocasiões e não cumpri nenhuma das minhas promessas. Por isso peço desculpas, mas só por isso.

Pelo amor assumo a culpa e digo que foi de propósito. Proposital também foi o louvor à sua carne branca e às horas de sincera dedicação a sua imperturbável espera.



Saudação

                                                          Para LF

Não foi a chuva que lavou a minha devoção
por tudo que lhe há em dobro,
nem as acácias amarelas recrutadas
pelo outono que me livraram de tua memória.

Não foram todos os sorrisos que lembram
o seu, o culpado pela minha sadia loucura,
ou pela fotografia de uma tarde de Abril
que passou e me deixou teus cheiros de mar.

Não houve tempo para a simpatia
dos meus desejos e lhe contemplei calado,
esquivo entre brincadeiras e o sufoco
de não arder em seus braços durante a tarde.

Todas as amarguras se curam com o tempo,
menos o seu veneno homeopático de amor,
que bebo por culpa e adoço as minhas manhãs
de motivos ocultos e silêncios exagerados.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O que ficou

O pardal e o falcão - Jack Vettriano


A paixão fez com que eu me livrasse de todas as suas coisas e memórias.

Só não me livrei dos seus textos.



O que ficou

Numa fronha vencida, ainda dorme um fio vermelho
corroído pelas aspirações duma saudade de Abril.

Dorme também todo aquele chamego, que me lavou
numa quinta esquecida pelo calendário.

As suas coisas ficaram no armário, enquanto
me vendia à simplicidade do seu sorriso.

O seu transpiro ainda inunda o meu paladar
e, de todas as coisas, o que ficou foi o gemido.

(Fabrício de Queiroz Venâncio)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Degola

A verdadeira definição do esporte - Rebecca Dreifuss


A miséria, que banaliza a miséria, que banaliza a miséria, que banaliza a miséria... E ainda chamam de desperdício.



Degola

As minhas virtudes foram vencidas pelo cansaço,
sumariamente degoladas pela foice do desperdício
e atacada pelos vermes vorazes da imensidão.

Neste imenso ficou preso o meu grito,
prato feito à repressão hedionda das esquinas
e dos olhos lascados incapazes ao perdão.

De todas as tralhas de asfaltos carcomidos,
remoídos por rachaduras em forma de epiderme,
sobrou o vosso canto sabiá sem réstia.

De todos os poços azedos alugados aos mendigos,
secos ao paradoxo da abundância vespertina,
beberam os miseráveis e as prostitutas;

do seu caldo espremido lamberam os dedos,
comeram as falanges e cuspiram restos de unha
na cara das esquinas encharcadas de gente.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 21 de julho de 2013

Susto (ou tudo num só)

Loucura - Maurice Utrillo


Ato involuntário, prendemos a respiração tanto no susto quanto na admiração.



Susto (ou tudo num só)

Só uma confusão de letras,
um abismo intransponível
na beira de um matagal
afogado pela fuligem do tempo,

sufocado pelo pó,
amarrado pelo pé
e vencido pelo ritmo
afoito das canções arredias.

Por sanguessugas invadido
e lobotomizado por inversos
arredios, banalizado pelo trunfo
da última carta na manga,

durante a última jogada
de uma pequena vida,
medida numa fita de costura
e equilibrada no fio de uma faca.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Obrigado pelo seu tempo

Toda riqueza provém da violência - João Werner


Mostre o seu sorriso que lhe vendo meus porcos e cavalos.



Obrigado pelo seu tempo

A violência está acomodada nos hospitais,
nas longas filas da espera
e no pouco que ainda versa a esperança
cristalizada em barrigas vazias.

A violência está velada nas fábricas,
está junto daqueles que assinam suas digitais,
nas doenças de esforço da mão
e na idenização que recebe a família.

Está na desigualdade,
nas generalizações,
na mídia porca,
no vagabundo pedinte
e na criança que esfarela o chão.

Está sendo velada pelos garotos de rua,
idolatrada pelos paletós da nação,
lambida pelos que tem fome.

Nossos meninos gritam nas ruas:
talvez um dia encontrem a violência
amedrontada em um canto qualquer.

Nossas meninas gritam nas ruas
e isto não foi um poema.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

terça-feira, 11 de junho de 2013

Poema de inverno

Paisagem - Ivan Pinto


Estou cansado da superficialidade em tudo!



Poema de inverno

Na boca, vapores de uma embriaguez permanente.
Os olhos lânguidos molhados de saudade
e um odor diferente do cigarro habitual.

Todo inverno chove nossa canção;
o amor está a venda nas prateleiras.

Todos os passos convergem para ti,
com um bilhete fácil de ida e um caminho reto,
sigo sozinho na eternidade do seu corpo.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Teologia

Ansiedade - Edvard Munch


De joelhos.




Teologia

Os prédios que engolem gente
vomitam os vapores do amanhã.
De repente, entre vidro e fumaça
cortante, entre odisséias abortadas
e homens perdidos na multidão,
um pássaro canta.

O Sol se apresenta nos selos
de cartas velhas escritas a punho.
Centenas de histórias ficaram
em restos de borracha varrida,
soprada pelo vento de cada esquina
onde todo mundo tem sede - e fome.

Nas fontes, as bolhas do detergente
alimentam crianças ocas.
Nos vidros, a gordura do dia
captura muriçocas e mosquitos da dengue;
incólumes, ameaçam o subúrbio
e sobrevivem aos restos anais.

Incólume, o pássaro ainda canta
à criança do sorriso sem dentes.
Oremos: ainda não colocaram um cadeado
na caixa da esperança,
que se afoga nas gravatas da nação
e na fuligem do concreto.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

domingo, 14 de abril de 2013

Página em branco

Meio dia - Edward Hopper


As várias histórias de uma paisagem. As várias paisagens que passamos todos os dias.




Página em branco

Seus pais separaram-se quando tinha quinze;
seus amigos casaram-se com belas senhoras
e o cachorro morreu de tosse.
Num belo dia colorido, a vida lhe passa a página.

Conhecemos a morte e levamos a vida desleixada,
amamos demais o amor verdadeiro e sincero.
Fizemos sexo a níveis industriais
e o peito de nossa mãe há muito está seco.

Nossos sonhos se perderam com a idade,
a caridade foi substituída pela gula.
Nunca há tempo de consertar o mundo
e o "eu" é o único pronome que a vida escreve.

Dentro de casa as pinturas lhe censuram,
as flores murcham e o único odor é o do câncer:
de repente você faz parte dos idosos.
Abre o livro dos dias e passa páginas brancas de saudade,

enquanto, em ondulações, escorre a lágrima
e surge a última alvorada cinzenta.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 15 de março de 2013

Despedida

A Violinista - Josef Decamp


Ajudei a menina com a cicatriz a vestir suas sandálias. Eu gosto de pés. Ela fingiu indiferença à gentileza e eu valorizei o esforço do seu disfarce. Depois de alguns beijos, colocamos nossas máscaras de porcelana e fomos separando nossas mãos bem devagar. Aproveitei para olhar as linhas da sua mão direita e medir o seu e o nosso futuro. O adeus caloroso ficou para as novelas.

Não houve choro. Cada um para o seu lado. O que houve foi um troca de corações pesados em uma bandeja quente.



Despedida

                                            às mulheres da minha vida


Estes montes são feitos de açúcar.
Estas praias, juro, são doces
e a areia não machuca os pés.

Estes caracóis um dia hão de me enforcar.
Por enquanto conto-os ao som de ondas
ou do vestido branco esquecido sob a lua.

A memória é atiçada por um vento do mar.
A saudade é um corvo de olhos esbugalhados
que corta os vales e me ceifa num abraço.

Estas são as últimas horas de uma mente sã.
Depois do álcool será zumbido, sexo e solidão:
de você sobrarão diversas lacunas de saudade.

Esta será a última despedia da manhã.
Choraremos juntos, irei caminhar na praia
e soluçar todos os seus nomes ao vento.

No futuro perguntarão se ainda te amo.
Sempre esquivo, responderei
que de amar nunca deixamos.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Os dedos

Jack Vettriano - O assessor


O livro "Estudos do corpo" (7Letras, 2011) de Alexandre Coutrinho é uma recente e grata surpresa, que pequei em não ter lido antes.

Posso dividir em duas parte. A primeira é erótica e remonta aos desejos e aos atos. São vários fôlegos de uma leitura densa que aperta em caprichos, que convida à visitação das memórias mais íntimas. A segunda é erótica também, mas musical. Fiz a leitura desta seção numa única investida ao livro, escutando jazz do gênero Smooth e parando bastante para pensar. Fiquei lavado por estas sensações.

Ao ler "Eclipse" comecei a escrever um poema, que terminei algum tempo depois.



Os dedos

Para Alexandre Coutinho


De todos os dedos,
o dedo que escorre
entrelaçado de banho quente
e prenhe de vontades.

De todos os corpos,
aquele que beijou
em sabonete - escorre;
derrama o pecado nas coxas.

Idioma dos cabelos,
ervas coloridas;
aroma de tu só
e solos de jazz.

Uma canção gira na
sintonia de nós mesmos:
respiração metamórfica que
vibra, vibra e vibra.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Estudo da carne

A pele do coelho esfolado - Chaim Soutine


Canibal, começou devorando os dedinhos dos pés. Do pé direito, que não tinha marca de nascença. Seguiu pela carne interna das coxas e se engasgou ao engolir os pêlos finos. Não se importou com os gritos da dor; aos seus ouvidos, soava melodia. Eliminou a gordurinha acumulada na barriga com dentes afiados. Com uma única tacada arrancou um mamilo e fez churrasco de pescoço. Cheiro de carne queimada. A melodia tropeçou no engasgo. Completou a refeição com bochechas e lábios. Cortou o clitóris com a unha e serviu-se empanado.  Na beira da cama, um cabernet sauvignon barato para engolir tudo. Sem tosse.



Estudo da carne

Esperança vã
consolo
temperança.

A princesa descorada
cavalga só
um cavalo manso.

Alfinetadas na bunda
projétil de imensidão.

Saudade só
doença sã.

_Fabrício de Queiroz Venâncio

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Estações

Mulher no Jardim - Pierre-Auguste Renoir


Calma. Só mais um verão.




Estações

A minha saudade tem sermões fictícios;
liga pela manhã e me espera à tarde.
Durante a noite estou encolhido.

Partiu com a ansiedade engolida;
eu com duas cervejas,
você se fazendo de tímida.

Sentou-se numa primavera quente,
deixou dois beijos na bochecha
e rodou um filme sobre horas vagas.

Ainda só no verão te espero;
todo quente, vocifero desejos
e beijo cangotes à toa.

No outono esqueço entre saias,
no inverno me agasalho em vapores pueris.
Na primavera estou mansinho.

Alguns retratos e tudo desmorona:
a foto é o carma da paixão
e o meu coração não é de confiança.


_Fabrício de Queiroz Venâncio