quarta-feira, 11 de maio de 2016

[Sem título]

No piér - Nikolai Pozdneev




[Sem título]

De teu rosto levemente inclinado,
guardarei as memórias mais sadias
que esta vida pôde me dar.

E antes que essa recordação passe,
que você, como um véu de imensidão
surrupiado pela manhã que se aproxima;

e antes que você suma da minha vida,
fruto de alguma doença da velhice:
Alzheimer, Parkinson, ou simplesmente caduquice
que faz seus netos riem de você;

e antes que a sua silhueta
inclinada para uma lua poderosa, amarela;
e antes que essa silhueta que me fez tão bem,
que me caprichou de destinos,
me preencheo de imensidão;

e antes mesmo que a última partícula
desta poeira caia sob o solo de verniz,
que chegue sob os roedores do porão
o meu pó inacabado;

e antes mesmo que você se incline para minha presença,
ou para os recônditos da minha memória fraudulenta,
que fique lá, escondida, presa em algum neurônio deformado;

e antes mesmo que toda esta bagunça passe,
que toda esta fortuna acabe,
eu olharei para sua silhueta cortada pela lua,
meu amor,

e lhe direi obrigado.


(Fabrício de Queiroz)