sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Gangorra

Eu e a aldeia - Marc Chagall


Depois dos sinceros desejos de bem estar e esperança, um pouco da retórica da contradição.



Gangorra

Não me preocupo com quem ocupa os lados,
balanço e caio conforme critérios
físicos conceituados.
Posso ter medidas de velocidade,
Centro de massa a calcular,
momentos de inércia, rotação.
Brincar com duas crianças:
ser estática.

Posso arrancar sorrisos dos corações maternos,
empalar o verbo ou lhe fazer um ânus.
Conduzo ao prazer do vento no rosto,
sou frio e desgostoso - andrógeno:
sou calada e taciturna,
sarcástico e mau-humorado,
Sou humano, objeto inanimado.

Senta no meu colo, criança:
escolhe, tenho dois pra ti.
Sou o pedófilo de uma nação,
sou religião e ceticismo;
mordo a bunda do meu povo,
mastigo e cuspo os seus colhões.

Sou fiel até o parto,
até segundos antes do choro;
e quando parto já não sou útil
e quando fútil sou inconsciência
e quando vivo, sobrevivo.
Enquanto sou pênis, coração;
enquanto livre, reflexo.

Cedi minhas barras ao Oxigênio,
minha madeira aos cupins;
agora, são todos os sorrisos amarelos.
O bebê é de metal, o garoto,
ao qual eu insistia em aparecer,
é magricela e tem fome.
Já não levanto e me desfaço:
apodreci.

Procuro meu espírito pelos cantos,
já esqueci a minha canção:
bela na boca das crianças,
eterna nos olhos da velhice.
Agora sou solidão embalsamada,
testículo infértil e murcho,
já não sou verde ou maduro:
apodreci, e comigo veio o mundo.


_Fabrício de Queiroz Venâncio

6 Comentários:

Paula Barros disse...

Fabrício

Li, não consigo comentar.

Contradições, a vida, nós, muitas.

abraços

Paula Barros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rafiki Papio disse...

Confesso que não sei comentar, ficam as idéias ricocheteando na cabeça.

Max da Fonseca, disse...

Eu-universal.
Uma bela identidade humana.

Anônimo disse...

.URGENTE paradoxo...




.Penetra e instiga minha mente, que já não é sã...

Livia Pugliese disse...

Fiquei um longo tempo me balançando na Gangorra dos seus maravilhosos versos. Vivemos nessa contradição que nos apodrece e transgredir é uma forma de escape, de salto, mesmo que seja para a ilusão de uma cor inventada, de um poema inexistente.
Obrigada pela visita. Voltarei aqui também.
Lívia

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